segunda-feira, 29 de maio de 2017

Biblioteca?Não, é o lugar-proibido-para-os-alunos-mais-legais

Eu era baixinha, o que já era motivo, e também usava óculos - como se ter a estatura mais baixa que noventa e nove porcento da população não fosse o suficiente - que eram bem grandes e pretos, o que marcava bem meu rosto, mais um motivo, e você deve estar se perguntando, pra quê? Motivo para eu ser "aquela garota da sala", sim aquela que ninguém lembra o nome e nem se veio pra aula, e quando alguém, o que raramente acontece, pergunta, dizem "aquela garota da sala" e ai todo mundo já sabe. Se era ruim? Sim, mas às vezes era bom porque ninguém me enchia, e eu podia fazer o que eu quisesse. 

Como no dia em que fui à biblioteca, sim! BIBLIOTECA, por que escrevi assim? Porque era o lugar-proibido-para-os-alunos-mais-legais, na opinião de de muitos. Quando digo muitos, são muitos mesmo, cada grupinho tinha sua regra, e a maioria dos grupos não gostava da biblioteca, tinha até uma professora que não deixava os alunos entrarem na hora do recreio pra não "bagunçar" os livros. 

Quando entrei, e foi a primeira vez, notei que ficaram na porta várias cabecinhas, uns hostilizando, outros rindo e outros morrendo de inveja porque entrei na BIBLIOTECA, não cheguei a olhar pra trás, quis mostrar que estava decidida, e estava mesmo. Assim que que virei o rosto novamente pra frente meus olhos e boca se abriram e minha cabeça levantou, meus olhos acho que brilhavam, e refletiam nos livros, porque eles também estavam brilhando.

Fiquei parada por alguns instantes e depois fui dando pequenos passos, e passando a ponta dos dedos nos títulos e olhando, lendo rapidamente aquelas centenas de livros, estavam empoeirados, mas bem organizados, quando olhei por entre uma prateleira, a moça da biblioteca estava me olhando com a cabeça meio baixa e os óculos quase caindo pelo nariz, quando percebeu que eu estava vendo, ela se recompôs rapidamente e me deu um sorriso bem amigável, mas que dava pra perceber sua surpresa.

As estantes eram bem altas, organizadas e eram muitas, muitas mesmo. Na sala tinham ventiladores enormes que faziam muito barulho, o único da sala, o chão era uma cerâmica escura, que parecia bem antiga, e estava extremamente limpo, depois das estantes tinhas várias mesas redondas com cadeiras bem confortáveis e umas baias individuais com cadeiras também bem acolchoadas. 

Me aproximei da moça da biblioteca e timidamente, mas ainda determinada, e perguntei se podia alugar um título, e ela sorridente mas contida, falou que sim, percebi sua alegria, já só que havia nós duas lá. Dei um sorriso de retribuição. Voltei e continuei a olhar e olhar os livros, e escolhi o livro QUEM ROUBOU MINHA INFÂNCIA, a autora era Maria da Glória Cardia de Castro. 

Quando saí da biblioteca pra ir pra casa a sensação foi de ter feito algo grandioso, todos no corredor me olhavam e tive a impressão de que me aplaudiam e torciam como na final de um campeonato, mas tudo silenciosamente, senti isso nos olhos deles, na expressão deles, até os que não gostavam da biblioteca por que era o lugar-proibido-para-os-alunos-mais-legais, me olhavam como se eu tivesse cumprido um desafio.

Em casa já, entrei e passei direto pro meu quarto, joguei a mochila e comecei a ler, a história falava de uma menina chamada Luciana que sonhava em tocar piano, e consegue aulas com Marina, sofria muito com a rejeição da mãe e até mesmo com a agressão dela em certo momento do livro, mas tudo acaba de um jeito bem legal, mas isso eu conto depois.
Foi o meu primeiro livro, li tão rápido que nem percebi, o tratei de um jeito tão cuidadoso que parecia mais uma joia, ficava tardes e tardes deitada na cama lendo, viajando naquela história, tanto que esquecia até de comer, e minha mãe até chegou a ficar preocupada com meu isolamento, o que era engraçado.

Depois desse dia não parei mais, entrava e saía da biblioteca com toda segurança e até conversava com Laura, a moça da biblioteca que depois aprendi que ela era bibliotecária, ela era bem gentil comigo, sua única cliente assídua. Ler pra mim se tornou meu refúgio maior, onde eu ria, chorava, conhecia lugares novos, jeitos novos e personagens incríveis que mudaram minha vida. O livro era meu fiel amigo, que sempre tinha algo pra me dizer, foi o melhor dia naquela escola, aquele dia em que decidi entrar na biblioteca e não ligar para o que os outros achavam. Mas depois percebi que o melhor dia foi quando cheguei na biblioteca e tinha fila.


Diakova

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